Crise no sector corticeiro

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009




O sector corticeiro vive tempos muito conturbados. À deficiente situação estrutural que sempre caracterizou muitas empresas do sector, junta-se-lhe agora a actual conjuntura de crise financeira profunda, cujos efeitos fazem temer pelo completo colapso do sector.

Ainda na pretérita semana, os empresários do sector reuniram com o objectivo de delinear estratégias que visem combater a situação difícil que se propaga rapidamente pelas PME's do sector.

Convém desde já levantar o véu sobre algumas ideias que foram afloradas nessa reunião e que não foram veiculadas para a imprensa (sabe-se lá porquê, será falta de coragem?). Dessas ideias há uma que me suscita bastante apreensão; alguns empresários do sector preparam-se para numa acção concertada, tentar suspender alguma da actividade laboral por um determinado período de tempo, esta acção poderá vir a ser implementada lá para o Verão, se entretanto a situação de saturação de stocks não desanuviar ligeiramente.

Ainda recentemente ouvimos o administrador das empresas Vinocor e Subercor dizer, que os trabalhadores que iniciaram uma luta de greve pela defesa dos seus salários e dos seus mais elementares direitos laborais, não passam necessidades de ordem financeira, porque se tal acontecesse, teriam optado por suspender o seu vínculo contratual de modo a poder recorrer ao auxílio da segurança social.

Confesso que é um exercício complicado tentar qualificar este tipo de declarações, que no mínimo seriam escandalosas, indecentes, imorais, despudoradas, vergonhosas, infames, dignas de um senhor feudal ou de um capataz de fazenda , que no seu extremo, revelam a sensibilidade das ideias do seu criador e em que linhas devem assentar as relações laborais.

"O trabalhador deve mostrar-se satisfeito e agradecido pelo facto de poder trabalhar, mesmo sem receber retribuição, subsídios ou sequer usufruir de seguro de acidentes de trabalho."

O que Henrique Martins tentou impor aos seus trabalhadores foi que suspendessem o seu vínculo laboral por tempo indeterminado, ora isto significaria, que os trabalhadores aceitariam livremente e por tempo indeterminado a penhora dos seus direitos laborais.

As empresas descartam-se da sua responsabilidade e empurram-na pra a segurança social, que é como quem diz para o estado.

Esta ideia peregrina a concretizar-se, seria um primeiro passo que vai de encontro à tal resolução que ficou em estado de latência na última reunião da APCOR.

Não se pense no entanto, que a situação do grupo Suberus é única, a muito breve trecho 2 ou 3 dos maiores grupos corticeiros irão avançar com ideias semelhantes.

A ideia que transparece é que face às dificuldades conjunturais, a matriz covarde desta espécie de empresários vem à tona, para disfarçar a sua incompetência em matéria de gestão, incompetência essa que está vincada na ausência quase total de formação empresarial, assim como na renitência em admitir pessoal qualificado para o efeito; receiam dar a conhecer a terceiros a real situação das suas empresas. O empresário corticeiro é assim uma espécie de bicho desconfiado, que faz do segredo a alma da sua riqueza ostensiva.

Desde quando o trabalho é uma obra de caridade? ...qualquer dia o trabalhador, para conseguir subsistir terá que pagar para trabalhar e simultaneamente renunciar a qualquer direito social e laboral, e meus caros, acreditem que não é nada que já não tivesse iluminado o cérebro semi-liquefeito destes abomináveis coronéis.

O emprego condigno e a retribuição pelo trabalho prestado é um direito que está consagrado na declaração dos direitos universais do homem, a exploração do trabalho esclavagista por enquanto, não consta do mesmo documento do qual Portugal é signatário.

Ainda pelo sector corticeiro, ficou a saber-se que o ministério do trabalho não vê com bons olhos, o acordo de 8 anos que o patronato e os sindicatos celebraram, para colocar ponto final à discriminação salarial entre homens e mulheres.

Já há muito tempo eu tinha mostrado a minha perplexidade pela celebração deste acordo, o ministério do trabalho parece que partilha da mesma opinião e quer terminar já com a discriminação salarial de género, avançando mesmo com a possibilidade de considerar o acordo inválido à luz da lei.

Será que o mesmo governo que ainda hoje perpetrou o maior ataque de sempre aos direitos dos trabalhadores, com a aprovação do novo código de trabalho, consegue ser mais papista que os papas pseudo-defensores dos trabalhadores?

Para cúmulo, existem empresas que simplesmente se borrifaram para o cumprimento do acordo (+ 12,5€/mês, durante 8 anos) e até hoje as trabalhadoras não sentiram o cheiro, a cor ou o peso deste mísero complemento salarial.

Apetece perguntar: porque razão o sindicato dos corticeiros negociou de forma tão estúpida este acordo negativo para as trabalhadoras, cedendo à chantagem patronal quando poderia ter esticado a corda ao máximo, não existe assessoria jurídica no sindicato?

Por fim, para desanuviar um pouco este clima negro e de ambiente carregado, tivemos a inauguração da primeira empresa mundial, que está licenciada para reciclar cortiça, pertença do Grupo Amorim.

Apenas algumas considerações:

O que é isto de primeira empresa licenciada para reciclar?

Que eu saiba existe uma miríade de empresas granuladoras que estão aptas a reciclar cortiça e não precisarão de um licenciamento especial para laborar e transformar rolhas.

Será que também vão monopolizar a reciclagem de rolhas em nome do ambiente?

Curioso foi ouvir alguém dizer, que o produto das mais-valias decorrentes da reciclagem de rolhas reverterão em favor do ambiente e da preservação da floresta e dos montados de sobro, tudo numa parceria com a Quercus.

Não sei porquê mas isto cheira-me a grande treta! Em tempos o Grupo Amorim contemplava com algumas verbas, instituições de solidariedade social cujos municípios de implantação fizessem sensibilização para deposição de rolhas usadas nos rolhões, agora vêm dizer que o dinheiro é para a preservação do ambiente, não percebo nada...

Sem pretender retirar os méritos da criação desta unidade de reciclagem de cortiça, surgem-me duas questões, só por mera curiosidade e porque não ouvi ainda ninguém questioná-las:

1. O quadro que está actualmente traçado no sector não podia ser mais negro, o desemprego ameaça de forma séria talvez milhares de trabalhadores corticeiros, quantos postos de trabalho é que serão criados com a entrada em funcionamento desta unidade fabril?

2. Não sendo a reciclagem de rolhas um processo inovador, nem tão pouco o produto daí resultante algo que já não tenha sido feito anteriormente, mesmo ao nível das infraestruturas e mecanismos, não terá sido necessário um investimento de vulto; Será que esta empresa que fisicamente se encontra dentro do espaço da Corticeira Amorim S.A., recebeu apoios estatais?

Vejam lá se sabem as respostas...eu confesso que não as sei, mas de forma matemática sou capaz de adivinhar que a resposta à 1ª questão é inversamente proporcional à resposta da 2ª.


PUBLICAÇÃO : O GADANHA

1 comentários:

Pedro Oliveira disse...

Não posso deixar de comentar. De facto é só impressão minha ou reciclar rolhas não é nada mais nada menos que granular apara especial?! Pelos vistos apenas se juntou o factor da recolha de rolhas usadas, mas não será esse também um benefício para o Grupo? Afinal deixam de ter de comprar a 3os. Ponto para o ambiente. Paga o contribuinte claro.

Quanto ao sector é sempre a velha questão estrutural os cortiçeiros não sabem o que são negócios uma vez que só os conseguem fazer quando o mercado da, a exemplo fica o grupo Suberos que não soube dar a volta a crise captando novos mercados e novas oportunidades e se eles que aparentemente eram o 2o maior grupo não consegue então ninguém consegue. É como dizer que sabe-se conduzir quando só se anda em rectas.
A crise existe mas não justifica tudo.

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