A nova lei de financiamento dos partidos
quarta-feira, 20 de maio de 2009
Julgo que alguém perdeu aqui uma grande oportunidade de contrariar o senso comum de que "os partidos são todos iguais e que se orientam todos pela mesma gamela!"
O mais irónico disto tudo é que o povo pode ser distraído mas não é estúpido e percebe muito bem por que razão todos os partidos políticos votaram a favor da nova lei. Com o país e os cidadãos a serem fortemente afectados pelo momento de crise, é imoral que os partidos façam aprovar uma lei que lhes aumenta o financiamento público a expensas do dinheiro de todos os contribuintes, uma vergonha completamente descabida e que só tem cabimento neste pequeno país de salteadores sem-vergonha que são os políticos em geral. Voltando um pouco atrás, a ironia disto tudo poderá residir no facto do financiamento público aos partidos ser proporcional ao número de votos que cada um obteve nas eleições, significa isto, que se a indignação popular pender assim para a abstenção, os partidos poderão ser relativamente penalizados. Portanto, como esta lei ainda descredibiliza mais a classe política, o povo tem uma boa arma para lhes mostrar a sua repugnação.
O novo diploma produz alguns efeitos interessantes e que podem ser apreciados no texto que se segue:
- Verdade O limite anual de angariações de fundos e quotas pagas em cash era 50 salários mínimos (€22.300) - passou para 3 mil IAS (Indexante de Apoio Social), ou seja, 1,2 milhões de euros. O limite para cada doação individual mantém-se: 25% do IAS (€106,5).
- Consequência Podem entrar nos partidos 1,2 milhões de euros cuja proveniência é impossível de rastrear. "Voltam as malas de dinheiro", afirma Saldanha Sanches. A lei diz que tem que haver recibos e, portanto, o doador é identificado - mas, como se viu com o famoso Jacinto Leite Capelo Rego, do CDS, um recibo com um nome não passa disso mesmo. E o limite de 25% do IAS para cada doação vale pouco: basta passar vários recibos com nomes diferentes para justificar a entrada de qualquer quantia, e nem a Entidade das Contas terá como escrutinar essas verbas.
- Verdade Sobe para 1,2 milhões de euros por ano o plafond máximo de angariação de fundos.
- Consequência Eram 629 mil euros, passou para o dobro o valor que os partidos podem recolher junto de financiadores privados. Desta forma se contorna o espírito da alteração da lei de 2003. Nessa altura, os valores do financiamento público subiram imenso, com o argumento de que o dinheiro privado passava a ser residual. Agora, os deputados mantêm os níveis de subvenção pública e acrescentam-lhe uma generosa fatia vinda dos privados. Com uma subtileza que dá para tudo: esse tecto de 1,2 milhões não se refere ao total de receitas que podem ser angariadas pelos partidos, mas ao saldo entre receitas e despesas. Exemplo: um partido faz uma festa para recolha de fundos (o que inclui a venda de produtos e serviços). Entra em caixa mil, mas o partido alega que a organização custou 900 - ou seja, angariou apenas 100. Qual é o problema? É que neste tipo de evento, com contabilidade algo informal, é fácil empolar despesas (com facturas de toda a espécie) e encolher receitas.
- Verdade Baixa de 50 para 20 mil o limite mínimo de votos para os partidos receberem a subvenção estatal.
- Consequência Nas legislativas de 2004, o PCTP, de Garcia Pereira (48 mil votos) e o PND, que era liderado por Manuel Monteiro (40 mil) teriam direito a subvenção estatal, apesar de não terem eleito deputados.
- Verdade Os partidos passam a poder receber donativos de pessoas singulares, o que antes só era permitido aos candidatos à Presidência da República e independentes candidatos às autarquias locais.
- Consequência Os partidos podiam receber dinheiro de pessoas singulares, mas apenas para a sua actividade corrente e não para financiar campanhas. Agora, ficam com mais uma fonte de receitas à disposição.
- Verdade O financiamento público não pode ultrapassar as despesas da campanha de cada partido, mas deixa de se descontar a esse valor o montante que as candidaturas recolham em angariações.
- Consequência Daqui em diante, não se espante se uma campanha der lucro. Para isso, basta que as despesas fiquem dentro do valor coberto pelo financiamento público - nesse caso, tudo o que venha dos privados é lucro. Exemplo: uma campanha custa mil, e o partido angariou 200. Com a lei anterior teria direito a receber do Estado apenas 800; agora, o partido recebe os mil do Estado, paga a campanha, e guarda os 200 que recolheu dos privados. Uma alteração de última hora acrescentou um pormenor: só os partidos podem guardar o lucro, para usar em futuras campanhas. Os candidatos individuais e os independentes, têm que o devolver ao Estado.
- Verdade Quando existam despesas pagas por terceiros, estas só são consideradas despesas de campanha com a anuência das candidaturas.
- Consequência Na prática, os partidos poderão receber dinheiro de privados por via indirecta. Basta que um 'benemérito' se chegue à frente para pagar uma iniciativa de campanha e as candidaturas aleguem que não sabiam. Com esta alteração à lei, o caso Somague (em que esta empresa pagou ao PSD os serviços de uma empresa de publicidade) dificilmente existiria. A lei proíbe os partidos de receberem apoios indirectos, mas dá-lhes agora a escapatória de alegar desconhecimento. Pior: a lei não pune quem está do outro lado - não há consequências para os tais terceiros que paguem essas iniciativas de campanha.
- Verdade Deixa de existir um mínimo de votos para os partidos terem direito a uma série de benefícios fiscais.
- Consequência Por irrelevante que seja um partido, tem tratamento privilegiado do Fisco.
- Verdade O valor de referência para o financiamento era o salário mínimo nacional (SMN). Agora é o indexante de apoio social (IAS).
- Consequência Para já, nenhuma, pois há um período de transição em que continua a valer o SMN - o IAS só entra nas contas quando atingir €426, (valor do salário mínimo em 2008). Se não fosse essa cautela, os partidos perderiam dinheiro, pois o IAS (¤419,22) está abaixo do SMN (€450). Este ano a subvenção para a campanha às legislativas será 8,5 milhões de euros - mas ficaria 200 mil euros abaixo se o valor de referência já fosse o IAS. Por outro lado, se continuasse a valer o SMN em vigor, os partidos receberiam 9 milhões de euros. Ou seja, com esta alteração os partidos não perdem dinheiro, mas os financiamentos do Estado vão crescer menos no futuro, pois o IAS não aumenta tanto quanto o salário mínimo.
"Esta iniciativa foi desastrosa"
António Costa
"Aumenta a opacidade dos financiamentos das campanhas"
Maria José Morgado
"Assistimos a um discurso de combate à corrupção, mas a prática é exactamente contrária"
Mouraz Lopes
"Mais vale dizer que está aberto o leilão à corrupção"
João Cravinho
"É um retrocesso"
António José Seguro
"Se estivesse na AR, Seguro não se tinha levantado sozinho: eu teria votado com ele contra este acordo"
Ana Gomes
"Voltámos às malas cheias de notas"
Saldanha Sanches
"O PS da era José Sócrates favorece, facilita ou não combate claramente a corrupção"
Henrique Neto
"É necessário saber para que é que os partidos querem mais dinheiro"
Belmiro de Azevedo
"Por favor, vete, sr. Presidente!"
José Miguel Júdice
"Só resta mesmo uma solução: o veto do PR"
Marques Mendes
"Quando se fizer a história da Terceira República, esta lei terá lugar de destaque"
António Barreto
Fonte: Texto publicado na edição do Expresso de 9 de Maio de 2009
PUBLICAÇÃO: O GADANHA
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