Sector corticeiro à beira do colapso

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008


Tempos difíceis são os que se vivem no sector corticeiro.

A actual crise financeira e a dificuldade das empresas no recurso ao crédito bancário, tem colocado muitas empresas à beira da falência económica.

Muitos serão os factores que contribuíram para o drama actual, no entanto a dificuldade de obtenção de financiamento de muitas empresas, junto das instituições bancárias vem por a nu a forma como se obtiveram fabulosas fortunas neste sector.

O tecido empresarial do sector corticeiro é predominantemente composto de pequenas e médias empresas, onde a empresa sempre se confundiu com o patrão; pseudo-empresário de baixa formação e sem qualquer sentido de gestão, os ganhos da empresa sempre transitaram directamente para o seu bolso com a consequente descapitalização da empresa.

A maioria das empresas, principalmente as que se dedicavam à produção rolheira, viveram durante décadas à sombra da não existência de stocks acumulados, ou seja, tudo o que era produzido estava vendido por natureza e inclusive havia dificuldade em satisfazer as encomendas.

Esta situação de domínio no mercado mundial de vedantes, foi confortavelmente aproveitada até que se introduziu no mercado vedantes alternativos, mais baratos e fortemente concorrenciais às rolhas de mais baixa qualidade.

De repente, alguns industriais do sector viram a procura dos seus produtos fortemente reduzida, originando a acumulação de stocks em rolhas de média e baixa qualidade, que serviam essencialmente de vedantes para vinhos correntes, esta situação começou a originar alguns desequilíbrios económicos.

Apesar de algumas campanhas internacionais para a promoção da rolha de cortiça, a verdade é que este produto tem sido fortemente contra-atacado pelas indústrias de alternativos.

Há empresas que têm stocks de rolhas no valor de milhões de euros e não sabem que destino lhes hão-de dar, se juntar-mos a tudo isto a situação actual de crise económica, que provoca fortes contenções de procura, não será exagerado dizer que o sector se encontra perto da ruína.

O sector corticeiro tem funcionado como o principal motor económico, de grande parte do concelho da Feira e qualquer situação de falência generalizada poderá provocar uma implosão social sem precedentes.

O sector emprega aproximadamente 8000 pessoas de forma directa, mas é sabido que mais alguns milhares dependem indirectamente da indústria corticeira.

Existe o receio real, de muitas unidades fabris encerrarem as suas portas nas férias de Natal e não voltarem a abrir em Janeiro.

Se entretanto nada for feito e não for retomada a confiança na economia, o mais certo é que este concelho que actualmente já comporta índices preocupantes de desemprego, venha a ser confrontado com uma grave crise social à semelhança do que se viveu no Vale do Ave, com a indústria têxtil durante a década de 90.

Se no Vale do Ave a situação era quase inevitável, principalmente pela forte concorrência dos têxteis oriundos de países de economias emergentes, mas também pelo fraco investimento que foi feito na modernização da indústria, que era rudimentar e antiquada ao nível dos mecanismos de produção. Na indústria corticeira o problema não passará por certo pela modernização do sector, que em algumas áreas é líder mundial e tem fortes componentes de inovação associadas.

Um dos maiores problemas que actualmente afligem os empresários é a dificuldade em obter matérias-primas de boa qualidade. A diminuição da qualidade e da quantidade de cortiça que é produzida em Portugal, deve-se essencialmente à falta de políticas florestais para a conservação e valorização do montado de sobro. Durante décadas a exploração de cortiça foi feita intensivamente sem que se renovasse a floresta de sobreiro, não houve novas plantações e entretanto as que se fizeram recentemente só produzirão algum efeito a muito longo prazo ( o sobreiro é uma árvore cuja exploração económica só é rentável ao fim de 40/50 anos, o que não é muito encorajador).

Isto tem levado os proprietários de grandes herdades no Alentejo a direccionarem o seu negócio para a criação e exploração de gado, que além do mais são fortemente subsidiadas e não exigem grandes recursos em mão-de-obra. Para agravar ainda mais a situação a presença de grandes manadas junto dos sobreiros é muito nefasta para as árvores, levando inclusivé à sua morte.

Outro problema foram as vagas sucessivas de incêndios de Verão, que se viveram nos últimos anos e que dizimaram grandes áreas de extracção corticeira (principalmente no Algarve), assim como as alterações climáticas que têm tornado muito mais secas algumas regiões tradicionalmente produtoras de cortiça.

Ora havendo pouca humidade nos solos, alguns insectos acabam por se infiltrar na casca do sobreiro na fase de crescimento da cortiça, depositando aí as suas larvas que posteriormente degradam a qualidade da cortiça.

A construção de grandes obras públicas como a auto-estradas, a barragem do Alqueva, empreendimentos turísticos e futuramente o novo aeroporto foram também altamente responsáveis pela destruição de grandes áreas de montado.

Resumindo chegou-se a uma situação quase insustentável, que ainda é mais agravada pela grande especulação que um grande grupo económico do sector faz junto dos produtores, açambarcando para si (directa ou indirectamente) a quase totalidade da matéria prima deixando muito pouco para os restantes, o que os obriga ou a adquirir o que sobra , por norma cortiça de fraca qualidade, ou a recorrer a mercados como Espanha ou Marrocos para suprir as suas necessidades de matéria-prima, ou então em alternativa a adquirir de forma subserviente ao grande grupo económico aquilo de que precisa.

Ou seja, é um sector completamente desregulado que vive sob a ditadura do mais forte, que predomina e monopoliza todo o circuito, tanto da matéria-prima como do produto final.

Outras razões haverá certamente, para justificar toda a derrocada que se vislumbra no horizonte e com honestidade não sou capaz de apontar soluções miraculosas para revitalizar este sector.

A única forma que eu julgo ainda poder adiar a morte deste sector por mais algum tempo, é uma forte intervenção estatal ao nível da regulamentação da exploração florestal do sobreiro, podendo inclusive quebrar as leis do mercado da oferta e da procura, regulando tectos máximos nos preços de venda de cortiça, algo que alguns empresários já tentaram pactuar entre si, mas que não conseguem levar por diante devido ao furacão monopolista do sector que persiste em levar por diante a sua empreitada de engolir tudo e todos.

Outra solução seria atenuar ligeiramente as actuais restrições ao consumo de álcool para os condutores, que tem sido co-responsável pela diminuição do consumo de milhões de garrafas de vinho em todo o mundo diariamente.

Pelo que se percebe das estatísticas, as fortes campanhas anti-álcool não têm produzido grandes resultados na prevenção rodoviária.

PUBLICAÇÃO : O GADANHA

5 comentários:

Anónimo disse...

Não se pode bem dizer que o problema da cortiça se deve as alternativas em plástico, na verdade são piores em todos os aspectos, e só um produtor de vinhos menos atento é que as usa ainda, e se as usa são apenas nos vinhos mais fracos dos fracos. Na verdade a vertente "verde" e ecológica da rolha em cortiça tem ganho muito terreno. O problema maior da cortiça é acima de tudo o monopolista, pois o Amorim com a força que possui não deixa margem para outros respirarem, e por conseguinte asfixia lentamente os moribundos no sector...

O Comendador disse...

seja bem-vindo Quercussuber:

Presumo que tenha lido o texto com atenção,eu não escrevi em lado nenhum que o problema da cortiça se deve a vedantes alternativos em plástico, o que eu escrevi é que os vedantes alternativos sintéticos (Vidro, silicone, rubbercork,microaglomerado), para além das chamdas rolhas técnicas (aglomerado, 1+1, etc,etc,etc) têm feito uma concorrência feroz às rolhas naturais de classes inferiores (3º,4º,5º) e por conseguinte têm ganho quota no mercado. ultimamente, em diferentes países, muitos engarrafadores têm optado pela screwcap, o que obrigou a investir significativamente na alteração das linhas de engarrafamento (estes dificilmente voltarão atrás para reverter o processo).
Agora partilho em absoluto da sua ideia relativamente ao grupo Amorim, de facto eles e algumas empresas subsidiárias por eles criadas, têm tido um comportamento quase mafioso no sentido de eliminar a concorrência, e o estado Português ainda tem ajudado com contratos de investimento no valor de milhões de euros para o Grupo Amorim. Recentemente foram cerca de 37 milhões (25 para a Amorim e Irmãos, mais 12 para a Pietec).

Cumprimentos

Anónimo disse...

Antes de tudo quero fazer a correcção e esclarecimento, quando me referi as alternativas de plástico, queria dizer todas as que não usam cortiça na sua concepção.
Agora vamos por partes, 1 as rolhas técnicas e de aglomerado forma a resposta do sector numa evolução natural, aquilo que eram os problemas que as rolhas de classes fracas estavam constantemente a dar nos vinhos, todos sabemos que os colmatados são bem piores, e com estas alternativas obtiveram-se resultados muito positivos, e manteve-se a cortiça como a base da rolha, e isto até porque dada a procura não existia capacidade de resposta com rolhas naturais suficientes, pois a matéria prima como já foi dito, escasseia.

Em 2 lugar, em resposta aos sintéticos não suberosos houve muito marketing ecológico e muita sorte, nenhum vedante alternativo sem ser de cortiça funciona bem, nem mesmo em vinhos de consumo rápido, como são os "beaujolais" obtiveram bons resultados sem ser com rolhas de cortiça.Há estudos que demonstram que os vinhos com vedantes não de cortiça são menos vendidos que os que possuem cortiça, alem disso desenvolvem problemas organolépticos adulterando o sabor, e há ainda muitos produtores a regressarem a rolha de cortiça quando antes usavam por exemplo srew caps, pois simplesmente estavam a arruinar-se pela falta de vendas.
No essencial penso que estamos de acordo, são os comportamentos de monopolização selvagem do grupo Amorim, talvez aliado a alguma ingenuidade fruto da iliteracia de muitos pequenos produtores na cortiça, que hoje resultam nesta crise instaurada no sector...que não deixa de ser exclusivo de cá e que têm viabilidade.

O Comendador disse...

QuercusSuber:

É importante que nos situemos na realidade actual.

Os seus argumentos só não explicam porque razão as empresas não dão saída aos stocks que estão acumulados em armazém, estou a falar de rolhas (3ºs,4ºs).

Com sua argumentação até dá a ideia que o sector vai de vento em pompa, porém, a realidade mostra que existem muitas empresas em sério risco de fecharem as portas brevemente, caso não consigam obter crédito dos bancos.
O problema reside mesmo aí, os bancos têm o sector em descrédito e com a actual crise financeira mundial tudo se agrava.
De resto, a minha intenção não era questionar as vantagens da rolha natural perante os vedantes alternativos, pois essas parecem inequívocas.
O que pretendo alertar é para o risco iminente de colapso de todo um sector que é importante para o desenvolvimento social e económico da região e do país.

Cumprimentos

Anónimo disse...

O sector está como está, tal como referi, pela ingenuidade, para não dizer burriçe, dos empresários do sector, habituados desde sempre a serem os supremos conhecedores de tudo, tipicamente patrões, e nunca gestores essa é a verdadeira razão.
O "know how" na verdade está restrito a poucas empresas, os outros limitam-se a reproduzir o que outros fazem.
Enquanto este modelo rendeu dinheiro os "patrões" encheram-se de dinheiro e com ele os maus vícios, que era esbanjar em vez de investir, agora que deveriam possuir flexibilidade de mercado, estão asfixiados pelo Amorim, com um verdadeiro golpe de mestre neste xadrez, deu-lhes a corda para se enforcarem.
A banca é dominada pelo poder económico, logo esse é mais uma mão a apertar o nó que sufoca o sector, que apesar do que escreve, continua a ter procura e potencial de escoamento, até mesmo nas classes 4º e 5º, obviamente que não aos preços que se praticavam no tempo das vacas gordas..

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  © Feira das Conspirações! - Santa Maria da Feira - Portugal - Maio/2008

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