Vedantes de cortiça vs. Produção de vinhos

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Quando se fala que a crise que afecta a indústria corticeira está relacionada com a diminuição da procura de vedantes de cortiça a nível mundial, não é menos verdade que esta relação está intimamente ligada à produção mundial de vinhos.

Neste quadro que retirei da Wikipédia (cujos dados presumo fidedignos), torna-se curioso verificar o aumento substancial da produção vinhos entre 2005 e 2007.

Analisando o quadro verifica-se que entre 2005 e 2007, a produção mundial de vinho teve um aumento médio de 67%, sendo que alguns países como o Brasil e a China quadriplicaram e quintuplicaram a sua produção. Em termos absolutos foi a Itália quem teve a maior evolução na produção com um aumento comparável à produção total a Argentina que é só o 6º maior produtor, mesmo Portugal que ocupa o 12º lugar no ranking dos países produtores teve um aumento de 100% na produção de vinhos.

Outro tipo de conclusões seriam possíveis de extrair deste quadro, no entanto o que se pretende aqui é fazer a análise da relação existente entre produção de vinhos e consumo/procura de vedantes para garrafas.

É de bom senso pensar que nem toda a produção de vinhos é envasilhada pelo método tradicional de engarrafamento, apesar disso, também é de bom senso concluir, que a uma maior produção de vinhos corresponderá potencialmente um maior engarrafamento, como tal, corresponderá proporcionalmente a esse potencial de engarrafamento o potencial de utilização de vedantes nas garrafas e por consequência uma distribuição mais ou menos proporcional da quota dos vedantes, tanto de cortiça, como de vedantes alternativos (plástico, silicone, metálicos,etc.).

Ora como se verifica também no quadro, aparecem novos nichos de mercado em franca expansão como é o caso do Brasil onde a produção aumentou significativamente, assim como na China, na Argentina, no Chile, na Espanha e em quase todos os países.

Chegados a este ponto entrámos num paradoxo:

Se houve um tal aumento de produção em 2007, significa que grande parte do engarrafamento foi feito em 2008, temos que ter em consideração os processos de estágio que sofrem alguns vinhos, então porque razão houve um decréscimo tão acentuado na procura de vedantes de cortiça em 2008, de que se queixam tanto os empresários do sector corticeiro?

Uma das explicações para este aparente paradoxo poderá residir no seguinte:

Havendo uma grande quantidade de oferta de vinhos no mercado é natural que haja dificuldades de escoamento do produto, assim sendo, as empresas engarrafadoras e de distribuição de vinhos irão ver os seus stocks aumentarem em armazém.

Uma outra explicação, poderá estar intrinsecamente ligada às campanhas anti-álcool que têm sido promovidas um pouco por todo o mundo, com o aperto das taxas de alcoolemia nos condutores é inevitável que haja reflexos no consumo, optando os consumidores/condutores, por um consumo mais consciente e regrado de vinho, esta tese é plausível, mas não explica tudo.

Para os produtores a questão tornar-se-ia aparentemente simples, se existe uma retracção do consumo, não há necessidade de produzir tanto, cortava-se então na produção, mantendo a qualidade e o preço ajustáveis à procura. Mas não foi isso que aconteceu, o que significa que perante os produtores existia uma perspectiva de expansão do negócio e do consequente lucro.

Voltando um pouco atrás e considerando que houve uma inundação de vinhos no mercado, e que existe uma dificuldade evidente no escoamento do produto e um acumular desinteressante de vinhos em stock. O que fazer?

A única forma que existe de escoar um produto que está em excesso nas prateleiras, é baixando o preço a um nível que torne a sua venda interessante sob o ponto de vista económico.
Ora para se baixar o preço de um produto é necessário baixar forçosamente os seus custos de produção, e isto implica cortar ao máximo as despesas com tudo o que envolve esse produto de forma a torná-lo competitivo no mercado e mesmo assim realizar alguma mais-valia deste processo todo.

É aqui que nos deparámos com a procura de vedantes de baixo custo. São muitos as variáveis que me levam a embarcar nesta segunda hipótese para justificar o aparente decréscimo na procura de vedantes de cortiça natural, nomeadamente rolhas naturais e a crescente proliferação de alternativas em plástico e em cápsulas metálicas, importa destacar que no caso do engarrafamento com cápsulas em metal, os engarrafadores foram obrigados a alterar toda a infraestrutura e mecanismos de engarrafamento, o que condicionará uma futura reversão na escolha de outros tipos de vedantes, como os de cortiça.

O custo de produção de uma rolha natural de baixa qualidade é idêntico ao de uma rolha de boa qualidade, aqui o único factor que pode condicionar o custo de produção é o preço da matéria-prima, como tal é extremamente complicado para os empresários do sector corticeiro conseguirem ser competitivos no segmento de rolhas naturais de baixo custo, do ponto de vista económico e da própria viabilidade da empresa.
Vender rolhas naturais abaixo do preço de custo não é uma boa política de gestão com toda a certeza.

Essa é a razão principal para nos últimos tempos, terem surgido no mercado algumas alternativas de vedantes de cortiça de baixo custo, as chamadas rolhas técnicas, e que têm sido mais ou menos experimentadas como alternativas, mas que ainda não se conseguiram afirmar verdadeiramente como vedantes de baixo custo, com uma excepção, a novíssima rolha de micro-granulado.

Esta rolha tem um custo de produção muito baixo, já que não requer uma grande capacidade de mão de obra, o processo é todo automático, além disso a matéria-prima principal desta rolha provém dos desperdícios de aparas de cortiça resultantes de outros processos da indústria corticeira.

O único senão desta rolha é que exige um investimento colossal em mecanismos apropriados à sua concepção, a partir daí e caso ainda exista mercado o retorno do investimento será rápido.

Actualmente só esta rolha parece ser competitiva em termos de custo perante os vedantes de plástico e das cápsulas metálicas.

Esta nova realidade se vier a vingar no mercado, irá provocar um forte abanão na forma como os empresários têm lidado com os desafios que lhes são constantemente colocados, na imaginação com que terão que arranjar métodos de satisfazer as necessidades dos seus clientes, será necessário um esforço enorme de adaptação às novas realidades do mercado, a rolha de cortiça natural só conseguirá sobreviver nas classes de melhor qualidade, sendo que as de classe intermédia sofrerão uma enorme redução nos preços e as rolhas de classe fraca simplesmente desaparecerão do mercado e serão substituídas pelas rolhas de micro-granulado e pelas rolhas de granulado.

A rolha técnica 1+1 será outra das que tem os dias contados, sendo admissível a continuidade do seu uso apenas no engarrafamento de vinhos espumantes.

Será neste cenário de incertezas que viverão os empresários corticeiros nos próximos tempos, a crise já vem de algum tempo atrás mas agudizou-se inapelavelmente com a situação de crise económica generalizada em todos os sectores de actividade. Sendo certo porém, que quem conseguir resistir à crise terá por certo melhores dias vindouros com uma perspectiva muito melhor no futuro, até lá será de amargar... para trabalhadores principalmente, mas também sejamos justos, para muitos empresários que tão mal se habituaram a gerir os seus negócios ao longo de décadas.

Apesar de todas as tendências actuais, acredito piamente no futuro do sector, tanto em termos de vedantes como em termos de novas aplicações para a matéria cortiça, até lá muitas empresas e muitos trabalhadores irão sofrer fortemente o impacto desta nova realidade: a cortiça deixou de monopolizar o segmento de vedantes apesar de todas as vantagens que são inerentes ao seu uso relativamente aos vedantes concorrentes.


PUBLICAÇÃO : O GADANHA

2 comentários:

Daniel Gomes disse...

Excelente! É isso mesmo.
Na realidade é bem provável que esteja a existir uma acumulação de vinhos, nos mais diversos produtores. Creio é que as razões apontadas para o decréscimo das vendas, não esteja tão relacionado com situações de curto prazo, mas sim com comportamentos estruturantes da sociedade mundial (o vinho é uma bebida em desuso).
De facto, a concorrência imposta por vedantes alternativos e mais baratos é implacável com a nossa industria, pois nos tempos que correm, o que conta é o lucro e não a qualidade.
Existem algumas soluções, mas de difícil concretização: podemos defender com "unhas e dentes" e estudos científicos a vantagem para o ambiente de usar a rolha de cortiça em detrimento dos vedantes alternativos (sensibilização para a qualidade); incrementar a I&D para potenciar e aplicar métodos de produção competitivos (luta directa com os restantes vedantes); e/ou, aceitarmos a realidade do mundo em que vivemos e apostarmos numa diversificação da nossa produção, isto é, produzir a rolha natural (para um mercado específico de qualidade) e os outros vedantes (para satisfazer os restantes pedidos) podendo usufruir de sinergias resultantes de conhecimentos acumulados na área da produção e distribuição.

O Status quo não é eterno.

Daniel Gomes disse...

Já agora, julgo que não é por estarmos a atravessar um período de crise económica e de redução de consumo de vinhos, que temos uma redução na procura de vedantes de cortiça.
Os produtores de vinho tentam maximizar o seu lucro, independentemente, na situação económica em geral; as políticas comerciais é que podem ser diferentes.
Repara nisto, será que o consumidor final de vinho, dá importância ou está sensibilizado para a importância da rolha na qualidade do vinho? Muito provavelmente não; por isso, aquele que vende o vinho não tem um acréscimo significativo de vendas, pelo facto de vender o seu produto com rolha de cortiça. Numa situação de indiferença escolhe sempre o mais barato!
Por isso defendo aquelas estratégias...

eXTReMe Tracker

  © Feira das Conspirações! - Santa Maria da Feira - Portugal - Maio/2008

Voltar ao Início