Desumanização das relações laborais
sábado, 26 de julho de 2008
A "Modernização" das relações laborais
Algo de muito profundo está a acontecer nas relações entre empregadores e empregados. O explosivo número de desempregados, a avassaladora perca de influência dos Sindicatos, o fantástico aumento dos lucros das grandes empresas e a retracção do peso dos rendimentos do Trabalho nas economias traduziram-se pela criação de um aumento das obrigações dos assalariados frente aos empregadores.
Constantemente pressionados por ameaças veladas ou directas de deslocalização ou encerramento das empresas, os assalariados viram-se contra os seus pares menos produtivos, e transferem para eles as suas frustações produzidas pelo aumento da pressão sobre a sua produtividade e rendimento económico. Enquanto que antes da Globalização, o foco do conflito era o "Patrão", agora, o foco é o "colega improdutivo", a Concorrência, ou o Cliente externo ou interno.
Os crónicamente doentes, os que se aproximam da idade da reforma, as mulheres que engravidam, os pais que faltam para prestar assistência aos filhos, são todos encarados como fontes de ineficiência económica e como riscos para a manutenção do próprio emprego. A partir deste sentimento de desconfiança e repúdio, escoram-se sentimentos mais intensos que justificam "rescisões amigáveis", "despedimentos encapotados", "transferências geográficas com objectivos de levar a rescisões". Um sem número de mecanismos são criados pelas organizações para capitalizarem esses sentimentos e maximizarem os seus lucros… Ameaçados pelo Despedimento ou pela Deslocalização, os assalariados contentam-se com salários congelados ano, após ano, acreditando que mais vale um "salário congelado" que um "salário ausente" ou pago a algum trabalhador indiano ou romeno…
A conflitualidade do mundo do Trabalho é transferida para o exterior. Se a empresa atravessa dificuldades, tal sucede porque o Governo é demasiado voraz nos impostos que cobra, porque a concorrência é desleal, porque a concorrência se deslocalizou e agora tem custos de produção muito inferiores, porque a anterior gestão foi incompetente ou danosa… Nunca por erros ou responsabilidades da gestão actual, mas sempre por causa do "Outro". O empregador coloca-se assim a salvo da contestação interna que levou às conquistas laborais dos anos dourados do crescimento ocidental (1950-1980), e orienta-a para o exterior, desde o concorrente desleal ao cliente ingrato e até para o interior, para o trabalhador ineficiente ou incapaz.
A família, a doença, os filhos, o tempo de lazer, são considerados como obstáculos a um tipo de entidades obcecadas em maximizar os lucros e minimizar os custos, que considera doravante, o Trabalho como o custo e não como fonte de riqueza e o lucro como um dogma.
Em prol dos interesses de accionistas abstractos e longínquos, toda a organização se reestrutura e invadem-se paulatinamente a vida privada dos assalariados, forçando-os a "períodos de prontidão", em que devem deslocar-se à empresa se esta o requerer, a equipamentos de comunicação que o tornam sempre disponível, como terminais Blackberry ou de Push Mail que envia para os telemóveis ou PDAs dos assalariados os e'mails internos da organização.
Multiplicam-se os contactos telefónicos para telemóveis em períodos de férias ou de descanso dos assalariados, as famílias são sacrificadas, com horários de trabalho de 12 e 14 horas onde só se vêem os filhos para os deitar, a doença é considerada uma "vergonha" e os assalariados preferem trabalhar doentes a macular a sua folha de absentismo… Todas as antigas barreiras são quebradas, invadindo-se a vida privada com a vida laboral, com o "consentimento" do trabalhador.
O processo de Desumanização intensifica-se com o acentuar do individualismo nas relações laborais. O assalariado comunica e interage sobretudo com o seu superior que o avalia, premeia e pune. As relações transversais com sindicatos, pares e associações de trabalhadores evaporam-se e a "Cultura da Empresa" impõe-se através de sofisticados meios de "Comunicação Empresarial", como os Portais corporativos, o Correio Electrónico, os eventos da empresa, etc.
Todo o sistema se orienta para o sacrifício da vida de cada um em prol do aumento da rentabilidade das empresas. O Homem concreto é imolado no altar do Lucro e a Economia desumaniza-se e torna-se numa servente de entidades abstractas e teóricas como o "Valor Bolsista" o "Accionista" ou o "Fundo de Investimento".
O Homem torna-se servo da Economia.
Quando devia ser exactamente o contrário…
Fonte: Le Monde Diplomatique, Março 2006
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