Ricardo Araújo Pereira - Boca do Inferno

segunda-feira, 14 de julho de 2008



Araújo Pereira leu a crítica de Pulido Valente e não gostou


Quem lamenta que a crítica literária já não tenha espaço nos jornais teve esta semana uma pequena alegria: o Público dedicou quatro páginas inteiras à crítica de Vasco Pulido Valente ao mais recente romance de Miguel Sousa Tavares, Rio das Flores (Oficina do Livro, 627 páginas, dois quilos e trezentos).

A razão de a alegria ser pequena é esta: Pulido Valente não é exactamente um crítico literário, nem se pode chamar crítica literária àquilo que ele escreveu. Mas sempre foi melhor do que nada.

Talvez seja bom enquadrar o caso.

Enquanto crítico literário, Vasco Pulido Valente é conhecido por gostar muito de Eça de Queirós e do Adeus, princesa. Como escritor, Sousa Tavares ficou célebre por ter escrito Equador (Oficina do Livro, 421 páginas, um quilo setecentos e cinquenta) e por ter dito que Pulido Valente era desonesto por ter criticado o livro sem o ler. Sousa Tavares escreve histórias cuja acção decorre no final do século XIX e no início do século XX, o que acaba por ser imprudente uma vez que Pulido Valente sabe mais sobre esse período do que as pessoas que o viveram, e irrita-se se alguém mexe na História de Portugal sem lhe pedir autorização.

Vamos por partes. O problema da crítica de Pulido Valente começa desde logo no modo como foi publicada. A capa do suplemento do Público anunciava: «Vasco Pulido Valente leu o último livro de Miguel Sousa Tavares e não gostou.» Ninguém precisa de ter estudado jornalismo para perceber o erro que aqui se cometeu. Isto não é notícia de capa em lado nenhum. Material de primeira página seria o Vasco Pulido Valente ter gostado de uma coisa qualquer.

Por outro lado, Pulido Valente acusa Sousa Tavares de escrever sobre um assunto acerca do qual não percebe nada. Também não é novidade. Quem lê as crónicas de Sousa Tavares no jornal A Bola tem conhecimento disto há anos. Que os leitores d’ A Bola saibam mais do que Vasco Pulido Valente, essa sim, é uma questão preocupante que nos deve fazer reflectir.

Quarto problema: segundo Pulido Valente, o livro está mal escrito e contém algumas imprecisões históricas graves. No entanto, a mulher de Pulido Valente recebeu uma mensagem SMS de Sousa Tavares em que este ameaçava «dar cabo» de Pulido Valente.

Na crítica, Pulido Valente revela o teor da mensagem mas não refere qualquer imprecisão histórica ou erro de sintaxe no SMS que Sousa Tavares mandou à mulher, o que pode significar que o autor de Equador escreve melhor quando está enervado e dispõe apenas de 160 caracteres. Só por má vontade Pulido Valente não terá feito esta justiça a Sousa Tavares na crítica. Em seiscentas e tal páginas também eu sou capaz de encontrar frases canhestras e factos truncados e fazer um estardalhaço com isso.

Mas a verdade é que Sousa Tavares escreveu um SMS que é, pelos vistos, irrepreensível, e Pulido Valente, em quatro páginas, nem uma nota de rodapé dedica ao poder de concisão do homem. Pode escrever maus romances, mas domina as formas breves. Não notar ao menos isto já não é crítica, é embirração.

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