Uma visão lúcida e sem preconceitos sobre a morte

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Nota prévia: "Este artigo não deve ser lido por pessoas susceptíveis de criarem sugestão e sensibilidade com questões ligadas aos cadáveres e aos processos de decomposição dos corpos."

Recentemente, devido à morte de um familiar vi-me confrontado com algumas interrogações para as quais ignorava a resposta. Fiquei de tal modo intrigado com algumas questões, que decidi partir para a pesquisa e ler obsessivamente sobre o assunto, esta foi a razão para desenvolver esta publicação que é bastante extensa, mas que pode ser interessante para quem tiver alguma curiosidade sobre o tema da morte e os processos de desintegração e consumição da matéria cadavérica.


Foi o químico Francês Antoine Lavoisier (Séc. XVIII) quem introduziu o celebérrimo conceito filosófico da universalidade da matéria: ""Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".


A morte sempre foi tida como um processo de natureza biológica, normal e natural e ainda assim, menos complexo de compreender do que os processos que dão origem à criação da vida.
Apesar disto, a morte sempre foi atirada para o mais recôndito lugar dos nossos anseios e dos nossos medos. Ninguém gosta de falar da morte, ninguém gosta que lhe falem de morte e ninguém fica indiferente perante um corpo cadavérico, tenhamos ou não tido alguma afinidade com a personalidade que outrora encarnou esse monte de matéria orgânica de forma vigorosa e enérgica e que agora se encontra em profunda e acelerada transformação.
No entanto, a morte é o destino inexorável de cada um de nós, com maior ou menor sofrimento físico todos havemos de alcançá-la. Sendo que a forma como nos aproximá-mos dela pode despertar em nós reflexos lúcidos para a aceleração dos processos que conduzem à morte. O temor pela deprimência do ante mortem levar-nos-ia mais longe na abordagem (eutanásia, distanásia, ortotanásia e a dialética da ética humana, que prometo cá trazer um dia destes)

Dos mitos, das crenças, da religiosidade, do espírito e da vida post mortem se encarregam outras entidades.

O que aqui se pretende discorrer não é uma história de ritual macabro ou de insensibilidade mórbida, trata-se de uma visão lúcida sobre a morte apoiada naquilo que a ciência vai desvendando a cada dia que passa.

O que acontece com um corpo assim que é decretada a morte biológica?

Quando uma pessoa morre, de imediato cessam os processos de oxigenação das células e o organismo entre num processo de desequilibro. Minerais como o sódio e o potássio, importantes para regular o metabolismo, deixam de ser produzidos e as células e enzimas de alguns órgãos como o pâncreas desarmonizam-se e passam a sorver o próprio corpo. Do mesmo modo as bactérias que habitam na flora intestinal e nas mucosas respiratórias, começam o seu trabalho de "degustação". Para sobreviverem esta bactérias começam por devorar os tecidos. O Fígado é a parte que mais tempo demora a decompor, já que se trata de órgão enorme e não parece ser muito do agrado dos decompositores, mas com o tempo e em condições normais toda a matéria orgânica acaba por ser decomposta. O tempo de decomposição de um corpo pode depender de inúmeros factores, como a temperatura , a humidade, o tipo de solo, a causa da morte, o material de que são feitas as urnas, etc, etc, etc.

Vamos agora fazer uma descrição sumária dos processos que interagem com o corpo do cadáver logo que se dá a morte.

No instante da morte: Diz-se que no instante da morte o corpo perde 21g (será este o peso da alma?). Vamos deixar o folclore popular e partir para a ciência...
  • Param as funções cárdio-respiratórias e deixa de haver actividade neuro-cerebral.
  • A pele fica rígida e adquire uma cor acinzentada.
  • Todos os músculos se relaxam.
  • A bexiga e os intestinos esvaziam-se pelo relaxamento dos esfinctéres, Por esta razão é aconselhável o tamponamento de todos os orifícios do corpo humano quando se dá a morte. Se ocorreu a morte num serviço hospitalar é da competência do pessoal de enfermaria efectuar esta operação, pré-preparando assim o corpo para a entrega ao agente funerário.
  • A temperatura corporal cai normalmente 0,83ºC por hora a não ser que tenha factores externos que o impeça. O fígado é o órgão que se mantém quente durante mais tempo, pelo qual se costuma medir sua temperatura para estabelecer o momento da morte.
Aos 30 minutos:
  • A pele fica meio púrpura e com aspecto ceroso.
  • Os lábios, e as unhas dos dedos empalidecem pela ausência de sangue.
  • O sangue escorre para as partes baixas do corpo por acção da gravidade, formando uma mancha de cor púrpura escura que é chamada de lividez.
  • As mãos e os pés ficam azulados.
  • Os olhos ficam com um aspecto turvo e começam a afundar para o interior do crânio.

Às 4 horas:
  • Começa a aparecer o rigor mortis (rigidez do corpo), isto deve-se à acumulação do ácido lácteo junto das articulações.
  • O enrijecimento da pele e o estancamento do sangue contínuo.
  • O rigor mortis começa a esticar os músculos durante umas 24 horas, depois das quais o corpo recuperará seu estado relaxado.

Às 12 horas:
  • O corpo está em estado de rigor mortis total.

Às 24 horas:
  • Somente agora o corpo adquire a temperatura do ambiente que lhe rodeia.
  • Nos homens, morrem os espermatozóides.
  • A cabeça e o pescoço adquirem uma cor verde-azulado.
  • Esta mesma cor começa a estender-se ao resto do corpo.
  • Neste momento começa o forte cheiro de carne podre.
  • O rosto da pessoa fica essencialmente irreconhecível.

Aos 3 dias:
  • Os gases dos tecidos corporais formam grandes bolhas debaixo da pele.
  • A totalidade do corpo começa a inchar e crescer de forma grotesca. Este processo pode acelerar se a vítimas se encontrar num ambiente cálido (quente) ou na água.
  • Os fluídos começam a gotejar por todos os orifícios corporais.

Às 3 semanas:
  • A pele, cabelo e unhas estão tão soltas que podem ser retiradas com facilidade.
  • A pele se racha e rebenta em múltiplas zonas por causa da pressão dos gases internos.
  • A decomposição continuará até que não fique nada com excepção dos ossos, o qual pode demorar à volta de um mês em climas quentes e dois meses em climas frios. No entanto o processo pode variar de corpo para corpo e ser influenciado por inúmeros factores como vimos atrás.
  • Os dentes são o único testemunho que fica durante anos ou séculos depois, já que o esmalte dental é a substância corporal mais dura que existe. A mandíbula é assim mesmo a mais densa, pelo que geralmente também perdura.
*Adaptação*: Mdig.Br
A decomposição dos corpos

A decomposição dos tecidos pode ocorrer por 3 processos distintos: A autólise, a putrefacção e a maceração.

A Autólise

Processo auto-destrutivo de células e tecidos, que se opera sem interferência externa, decorrente do aumento da permeabilidade das membranas plasmáticas, que possibilita a libertação enzimas proteolíticas contidas nos lisossomas ("suicide bags"). Isto leva a uma acidez temporária que, pela putrefacção se neutraliza e inverte pela alcalinização progressiva com valores de pH da ordem de 8,0 a 8,5.

A putrefacção

É o processo de decomposição da matéria orgânica por bactérias e pela fauna macroscópica, que acaba por devolvê-la à condição de matéria inorgânica. A putrefacção do corpo não é um processo resultante do evento morte, apenas. É necessária a participação activa de bactérias cujas enzimas, em condições favoráveis, produzem a desintegração do material orgânico. Daí, que nas condições térmicas que impeçam a proliferação bacteriana, ou pela acção de substâncias antissépticas, o cadáver não se putrefaz. As bactérias encarregadas da putrefacção do cadáver, na sua maioria, são as mesmas que, em vida, formam a flora intestinal do indivíduo.

Algumas das substâncias intermédias formadas durante o processo de decomposição das proteínas, são altamente fétidas, tornando-se as responsáveis pelo cheiro característico dos corpos em putrefacção. A decomposição catalítica dos glícidos e dos lípidos, praticamente não exala odores nauseabundos.


A putrefacção desenvolve- se em quatro fases ou períodos distintos e que se complementam:

1º - Período cromático (período de coloração, período das manchas). Tem início, em geral de 18 a 24 horas após o óbito, com uma duração aproximada de 7 a 12 dias, dependendo das condições climáticas. Inicia-se pelo aparecimento de uma mancha esverdeada na pele da fossa ilíaca direita (mancha verde abdominal), cuja cor é devida à presença de sulfometahemoglobina. Nos recém-nascidos e nos afogados, a mancha verde é torácica e não abdominal.

2º - Período enfisematoso (período gasoso, período de deformação). Inicia-se durante a primeira semana e estende-se, aproximadamente, por 30 dias. Os gases produzidos pela putrefacção ( gás sulfídrico, hidrogénio fosforado e amónia) infiltram o tecido celular subcutâneo modificando, progressivamente, a fisionomia e a forma externa do corpo. Esta distensão gasosa é mais evidente no abdómen e nas regiões dotadas de tecidos como face, pescoço, mamas e genitais externos. Os próprios gases destacam a epiderme do córion, formando extensas flictenas putrefactivas, cheias de líquido transudado. É nesta fase que pode ocorrer um fenómeno extraordinário perfeitamente explicável e que muita gente associa ao sobrenatural, espíritos, fantasmas, almas e afins... é o chamado fogo fátuo.

Quando a matéria orgânica entra em putrefacção, ocorre a emissão do gás fósfina (PH3). Os fogos-fátuo são produtos da combustão da fosfina gerados pela decomposição de substâncias orgânicas, ou a fosforescência natural dos sais de cálcio presentes nos ossos enterrados.

O fogo fátuo é genericamente uma luz azulada que pode ser vista em cemitérios, pântanos, brejos, etc. É a inflamação espontânea do gás dos pântanos (metano), resultante da decomposição de seres vivos. A inflamação espontânea do gas pode provocar um ligeiro estalido sonoro.

Estar num cemitério e ter a visão de uma chama a sair de uma sepultura seguida de um pequeno ribombar, deve ser algo profundamente perturbador e terrificante, capaz de fazer levantar até os pentelhos genitais à maioria das pessoas. Se isto acontece, é muito natural que o desafortunado visionário tenha o instinto primário de fugir daquilo que ignora e não sabe o que é, associando o epifenómeno a coisas transcendentais ou espirituais. Nada mais errado... o pior é que se fugir pode arrastar a chama atrás de si devido à deslocação do ar, provocando ainda mais pânico na vitima que se sente perseguida por fantasmas...


3º - Período coliquativo (período de redução dos tecidos). Inicia-se no fim do primeiro mês e pode estender-se por meses ou até 2 ou 3 anos. Caracteriza-se pelo amolecimento e desintegração dos tecidos, que se transformam numa massa pastosa, semifluida, escura e de cheiro fétido intenso , que recebe o nome de putrilagem ou necrochorume. Este fluido é um cocktail altamente contaminante de bactérias, vírus e adenovírus e poderá originar problemas gravíssimos de contaminação nos lençóis freáticos nas imediações dos cemitérios, por essa razão deve haver um grande cuidado por parte das autoridades responsáveis, na monitorização dos solos e adoptar as medidas necessárias que limitem a possibilidade de haver infiltrações de necrochorume.

A actividade das larvas da fauna cadavérica (miase cadavérica), é um excelente auxiliar na destruição total dos restos de matéria orgânica. Os insectos e as larvas podem destruir a matéria do cadáver com extrema rapidez (4 a 8 semanas).

4º - Período de esqueletização. No final do período coliquativo, a putrilagem acaba por secar, desfazendo-se em pó. Emerge então o esqueleto ósseo, que fica exposto e poderá conservar-se por largas dezenas ou centenas de anos.

A Maceração

É o processo de transformação destrutiva em que ocorre o amolecimento dos tecidos e órgãos quando os mesmos ficam submersos num meio líquido e nele se embebem. O mais frequente é que aconteça com a água e com o líquido amniótico no caso dos fetos. Este processo é muito comum nos corpos que são recolhidos no mar ou devolvidos pelas ondas depois de afogamento ou outro qualquer acidente.

Na maceração, a pele torna-se esbranquiçada, friável, corruga-se e faz com que a epiderme se solte da derme e possa até se rasgar em grandes fragmentos. Isto é bastante evidente nas mãos, onde a pele de desprende a modo de "luvas". Externamente, a derme, pelas razões acima apontadas, fica exposta, mostrando-se em geral vermelha brilhante, luzidia, por causa do próprio edema que a embebe e a torna túrgida.


E quando o corpo não se decompõe?

Os processos de destruição e de decomposição dos corpos nem sempre são tão lineares, pode acontecer que sob condições excepcionais (biológicas ou físico-químicas, naturais ou artificiais), os corpos se possam manter conservados, estes processos incluem a saponificação, a mumificação, a petrificação e a coreificação.

A Saponificação

Trata-se de um fenômeno cadavérico que depende que o corpo ou parte dele, seja colocado num meio que obedeça a duas exigências:

  • Ambiente muito húmido (pântano, fossa séptica, alagado ou terra argiosa)
  • Ausência de ar ou escassa ventilação.

O processo tem início por volta dos dois meses após a inumação e completa-se aproximadamente no período de um ano. O processo de putrefacção sofre um desvio, pára, e algumas enzimas microbianas provocam mudanças nas estruturas moles que se transformam em sabões de baixa solubilidade, conhecidos pela denominação genérica de adipocera. Esta é uma substância que inicialmente tem um aspecto branco-amarelado, de consistência mole, sugere as características do sabão ou do queijo, e com um cheiro próprio, rançoso, "sui generis". Com o passar do tempo, esta massa passa a apresentar uma cor mais escura, amarelo-pardacenta, tornando-se mais seca, dura, friável e quebradiça.

Mumificação

Nesta modalidade de fenómeno cadavérico que é uma dessecação rápida, o seu aparecimento depende, exclusivamente, das condições em que o corpo seja colocado:

  • Ambiente muito seco, à volta de 6% de humidade relativa do ar
  • Temperatura elevada, acima dos 40 ºC
  • Abundante ventilação

O processo ocorre de imediato, uma vez que é impedida a putrefação e se completa entre seis meses e um ano. Todavia em climas propícios a mumificação pode ocorrer em poucas semanas.

Como consequência da perda de água, a pele fica coriácea, retrai-se, enruga e endurece, adquirindo uma coloração terrosa, entre o castanho e o preto. O processo tem início na parte distal dos quirodáctilos (dedos das mãos) e dos pododáctilos (dedos dos pés), nos lábios e no dorso e na ponta do nariz. A desidratação do corpo, faz com que diminua notavelmente o seu peso, chegando a atingir valores da ordem de 10 a 5 kg .

Petrificação

Trata-se de um processo transformativo cada vez mais raro, em que ocorre a infiltração de sais de cálcio nos tecidos. Assume o aspecto de uma verdadeira "calcificação" generalizada. Este fenómeno pode encontrar-se, quase que exclusivamente nos embriões ou fetos mortos, por vezes "intra utero" e, mais frequentemente, nos resultantes de gravidezes ectópicas, tubárias ou peritoniais, retidos, nos quais, até pelas próprias características individuais do meio ou do local, o corpo asséptico, ao invés de entrar em maceração, sofre uma incrustação por sais calcários. O resultado deste processo é a formação de um litopédio (criança de pedra), a sua retirada só é possível através de intervenção cirúrgica.

Coreificação

Representa uma modalidade de processo transformativo que ocorre em cadáveres conservados em urnas metálicas de zinco galvanizado, hermeticamente seladas. O ambiente assim criado dentro da urna, inibe parcialmente os fenómenos de decomposição. A pele do cadáver assume o aspecto, a cor e a consistência uniforme de couro recentemente curtido. Começa a observar-se no primeiro ano de colocação do cadáver na urna metálica, atingindo o seu máximo no segundo ano. Excepcionalmente, pode completar-se em apenas dois ou três meses.

*Adaptação*: MECANISMO DA MORTE - Prof. Dr. Jorge Paulete Vanrell

Nota final: Devo dizer-vos que muito aprendi com a compilação deste artigo e espero igualmente ter contribuído para esclarecer algumas questões intrigantes que nos são colocadas perante os mecanismos que se seguem à morte.

* O "Feira,... das Comendas!" agradece aos autores dos textos de apoio que permitiram a sua adaptação e cujas fontes estão perfeitamente identificadas, não se violando assim os direitos autorais dos criadores.

PUBLICAÇÃO: O COMENDADOR

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