Ricardo Araújo Pereira - Boca do Inferno

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O ovo da C+S Cristóvão Colombo

No momento em que escrevo, a ministra da Educação recuou e satisfez a principal reivindicação dos alunos: as faltas justificadas já não dão chumbo. Registo que a ministra escolheu o momento em que escrevo para o fazer.

A vantagem de se publicar um texto semanal é, aliás, essa: os cronistas passam frequentemente pela experiência de verem coisas acontecer no momento em que escrevem. É muito raro um cronista admitir que, no momento em que fez uma pausa para petiscar uma bolacha, teve lugar um acontecimento importante. Já no momento em que escreve, costuma passar-se tudo. Foi o que sucedeu desta vez comigo, com a ministra e com as reivindicações dos alunos. Por outro lado, curiosamente também no momento em que escrevo, não há notícia de que qualquer protesto dos professores tenha sido atendido.

Do ponto de vista político, o caso pode ter repercussões importantes. A questão é saber quais. Não contem comigo para isso. Posso dizer-vos, no entanto, qual é a repercussão menos importante que o caso pode ter. É esta: a ministra parece ser mais sensível aos argumentos dos grupos sociais que arremessam ovos. Entre um professor que empunha um cartaz impecavelmente redigido e um aluno cujo discurso se compreende mal mas que tem meia dúzia de ovos e pontaria, a ministra opta por escutar o protesto do segundo. Quem a censura? O cargo de ministra da Educação não parece ser fácil de desempenhar.

Na Austrália, onde o acesso a ovos de avestruz é mais amplo, deve ser ainda pior. Mas em Portugal também tem que se lhe diga, e não contesto que o titular da pasta ceda às pressões de vez em quando. Receio apenas que os cidadãos interpretem esta coincidência como um padrão: quem atira ovos obtém melhores resultados.

É verdade que os professores são das classes profissionais menos talhadas para as manifestações públicas. Ao longo da minha vida académica sempre ouvi, da boca dos professores, frases como «Não grites», «Não atires coisas» e «Mas será que eu vou ter de vos separar?».

Tendo em conta que as manifestações são, em boa medida (pelo menos, as boas), ajuntamentos de pessoas que gritam e atiram coisas, percebe-se melhor a falta de eficácia dos protestos dos professores. No entanto, o arremesso de ovos não devia ser premiado. Ninguém se empenha especialmente para fazer valer os seus direitos, mas se começar a constar que a cidadania consiste em atirar ovos a ministros, temo que a democracia ganhe um novo encanto.

Basta comprar três dúzias de ovos e ir para a porta do Palácio de São Bento em dia de reunião do Conselho de Ministros. Um ovo na testa do Jaime Silva para resolver a questão das pescas. Outro nas costas do Vieira da Silva para melhorar o problema do trabalho precário. E assim, sucessivamente, enquanto as galinhas puserem ovos.

Fonte: VISÃO

PUBLICAÇÃO : O COMENDADOR

0 comentários:

eXTReMe Tracker

  © Feira das Conspirações! - Santa Maria da Feira - Portugal - Maio/2008

Voltar ao Início