Blogosfera - Problemas da questão tibetana

terça-feira, 12 de agosto de 2008



Nota: Este texto foi retirado do "O Cipreste", e revela por parte do autor uma visão límpida , equidistante e mais abrangente na envolvência da questão Tibetana.

Por achar interessantes algumas das premissas que foram lançadas, aqui deixo a publicação integral do mesmo.



Problemas da questão tibetana

Nota prévia: sou a favor da autodeterminação do Tibete, da retirada chinesa daquele território e a favor do julgamento de todos os crimes (e seus responsáveis) cometidos durante o período de ocupação.

* * *

A questão tibetana teve, nos últimos meses, uma especial visibilidade, muito por culpa da atribulada viagem da tocha olímpica pelos países da Europa e da América do Norte. Muita gente, que pouco sabia acerca do problema da ocupação chinesa do Tibete, despertou para o assunto, ou pelo menos ficou a conhecer melhor parte da questão tibetana.

O facto fundamental a reter é, relativamente ao Tibete como a outros territórios ocupados mas muitíssimo mais esquecidos, simples: um país maior e mais poderoso ocupou outro menor e muitíssimo menos forte económica e militarmente. Ao longo da ocupação não se limitou a tomar conta dos recursos do país, mas também se dedicou ao desmantelamento da cultura anterior e à perseguição e assassinato de pelo menos parte da população local, sobretudo na fase inicial do processo.

Foi assim no Tibete. Foi assim em dezenas de outros países, alguns dos quais ainda ocupados que não pela China comunista. É bom recordar, pois pouco se ouve falar por exemplo do Saara Ocidental...

O que pessoalmente me faz confusão, e me levanta as maiores reservas, é o futuro do Tibete, após uma hipotética - e como já referi, desejável - retirada chinesa.

Tive o cuidado de ler a Constituição Tibetana, aprovada em 1991 pela Assembleia dos Representantes do Povo do Tibete (estrutura no exílio), e a verdade é que SE este documento não fosse relativo a um país que tem o apoio massivo que o Tibete tem... seria considerado absolutamente inaceitável pela chamada Comunidade Internacional.

A questão do Chefe de Estado, por exemplo, é particularmente interessante. De acordo com a Constituição Tibetana, o Chefe de Estado do país é o Dalai Lama, líder religioso e espiritual do Tibete que exerce (ou delega em outros, de acordo com o artigo 19º do documento) o poder executivo no país. Esta constituição vai assim mais longe, no que se refere aos poderes do Chefe de Estado, que outros documentos semelhantes de outros estados teocráticos, considerados quase-medievais pelos nossos evoluídos e civilizados países ocidentais.

A nomeação do Dalai Lama será ainda mais incompreensível aos olhos da tal Comunidade Internacional, já que a mesma se baseia em critérios específicos do quadro das crenças religiosas do budismo tibetano, envolvendo a reencarnação do espírito do Dalai Lama anterior num outro ser humano.

Na verdade, esta questão nem seria particularmente extraordinária, pois bem vistas as coisas o que está em causa é uma sucessão não electiva do Chefe de Estado, como acontece em regimes ditatoriais ou em monarquias, algumas das quais consideradas verdadeiros modelos de tolerância, democracia e liberdade.

Acontece porém que o Tibete tem uma história, e a governação do país por parte dos Lamas não correspondeu nunca à imagem romântica do país da paz e da não violência que muita gente tem na cabeça. O Tibete anterior a 1959 (data da invasão chinesa) era igualmente violento, igualmente marcado pelo não respeito dos direitos dos seres humanos e igualmente não democrático.

A escravatura (verdadeira escravatura, com posse legal de seres humanos por parte de outros seres humanos) era permitida. Os castigos impostos a todos aqueles condenados - justa ou injustamente - pela prática de crimes ou actos condenados à luz das tradições tibetanas passavam pela tortura, vazamento de olhos, amputação de membros ou morte. As mulheres eram vistas como seres inferiores. A sociedade era extraordiariamente hierarquizada, de acordo com uma estrutura piramidal teocrática, com o Dalai Lama no topo.

O actual Dalai Lama, Tenzin Gyatso, tinha apenas 24 anos quando o Tibete foi invadido pelas tropas chinesas de Mao, e por isso não pode ser responsabilizado pela forma absolutamente medieval - no pior sentido do termo - como o país era gerido, a justiça administrada e os seres humanos discriminados, com base na sua posição social. Não terá tido o tempo, a coragem ou a vontade de alterar a tradição, com t pequeno, do Tibete neste particular.

Mas penso que tem responsabilidades numa abordagem mais positiva ao futuro do Tibete. Um Tibete democrático, independente e sobretudo bem diferente daquele que deixou para trás em 1959. Se assim não acontecer, e se o poder teocrático quase absolutista voltar a tomar lugar no magnífico e misterioso Potala, o povo tibetano continuará a sofrer. Desta feita às mãos dos seus próprios líderes não eleitos.

Analise-se a Constituição do Tibete. Procure-se estudar a constituição do seu governo no exílio... e verifique-se que existem ainda muitas recordações do passado feudal. A diferença assim será, apesar de tudo, muito pouca.


PUBLICAÇÃO: O CIPRESTE

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